Encheu seu conta gotas com os sentimentos mais nobres. Sabia que dali por diante as doses seriam sempre homeopáticas, nada além do preescrito, doses controladas de tudo que lhe pudesse atingir em cheio o coração. Não queria o vício e por isso se contentava com o falso controle exercido sobre seu sentir. Uma risada nunca era inteira. O choro durava apenas alguns minutos, assim levava a vida crendo que poderia mensurar o seu sentir. Olhava para o passado em tempo real como se a vida em algum momento o botão do pause tivesse emperrado. Talvez por isso, acreditasse tão fielmente que nada além do pensando, calculado, repensado pudesse lhe acontecer. Estava sempre preparada para tudo, controlava os riscos.. Seus romances duravam semanas, nunca meses. Era difícil estabelecer qualquer relação nova. Nunca era a hora, o momento certo, a pessoa certa...antes de dormir tecia um tipo estranho de oração, onde questionava a Deus o porquê daquela falta de sorte. Seguia sempre pela mesma rua, vestindo sempre as mesmas roupas, o mesmo corte de cabelo , as mesmas idéias. Odiava os pós-modernos e sua tendência crônica à mutabilidade. Por isso, dificilmente frequentava outros locais sem ser a fortaleza â qual denominava casa. Talvez, por esse motivo, nunca tenha percebido que ao usar o fabuloso poder do conta gotas sentimental após tanto tempo desenvolverá um efeito colateral quase imperceptível... havia petrificado seu coração. Ao contrário do homem de lata, que possuia um coração sem saber tê-lo. A menina do conta contas sabia da existência do seu e o classificava sem pestanejar como ineficiente e inoperante. Decretava assim sua morte em vida, pois, todas aquelas ruínas do passado haviam transformado seu pequeno coração no mais refinado e insalubre pó.
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